Descompasso entre crescimento do PIB por meio das exportações em função da flexibilidade da produção mundial

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Luis Claudio Rios Santos – Especialista em Porto e Ferrovia

Desde que a economia brasileira se tornou internacionalizada, no início da década de 1960, os portos tem lidado com um constante crescimento de suas operações por meio de um grande avanço da industrialização no Brasil. O Estado prontamente assumiu as rédeas do processo de investimento em infraestrutura de transportes (portos, rodovias e ferrovias), e da construção de políticas de incentivos fiscais. Tais fatores, associados a outras vantagens competitivas como mão-de-obra barata e o fácil acesso à matéria prima e fontes de energia, atraíram empresas transnacionais para o território brasileiro dando início a um processo de crescimento econômico tardio (se comparado a outras economias), mas acelerado quando comparado ao crescimento econômico da primeira metade do século XX.

Nesse momento o sistema produtivo plenamente adotado no Brasil foi o Fordismo, que caracterizado por instalar-se próximo às fontes de energia e matéria prima, correspondia justamente com uma das principais vantagens competitivas ofertadas pelo Estado (fácil acesso à matéria-prima e fontes de energia), e embora existisse uma economia internacionalizada, as trocas não eram tão intensas assim, pois as firmas tinham acesso aos principais insumos necessários à produção do produto acabado.

A partir deste ponto, passou-se a verificar relações mais estreitas e sensíveis entre a movimentação portuária (importações e exportações) e os índices de crescimento econômico do país, de tal modo, que um crescimento das exportações acabava precedendo ou justificando um crescimento de certa parcela do PIB brasileiro, e que a eficiência operacional e de custos dos portos era um fator chave para manutenção desse crescimento, que ocorria por meio de um processo de industrialização que acabava por fim, exportando o excedente da produção para os mercados externos. Neste contexto, crescer a produção implica em crescer a capacidade operativa do Porto e de todo sistema de transporte e logística que o precede no fluxo da carga
(ferrovias, rodovias, armazéns, terminais e centros de logística e interiorização do despacho aduaneiros), e os ganhos de escala e de eficiência de custos alcançados por meio desse movimento acabaram por fim, promovendo o aumento da competitividade da produção nacional no mercado internacional.

Esse é o principal mecanismo (condição de avaliação de atratividade) que tem feito com que o Estado direcione investimentos para ampliação e modernização dos portos brasileiros, pois considera que sempre haverá uma contrapartida na forma de crescimento do PIB em função da
realização de investimentos em infraestrutura e modernização portuária, e de fato essa dinâmica é verdadeira, mas só pôde ser aplicada como regra constante e absoluta até o início da década de 1990. Até o surgimento do processo de globalização, a gestão portuária convivia neste cenário de
internacionalização da economia e poucas trocas internacionais, e os investimentos eram realizados com um certo nível de segurança e atratividade e em um ritmo mais estabelecido por conta de uma intenção da indústria em promover o aumento da capacidade produtiva do que por conta de uma dinâmica de trocas internacionais, em uma economia de escala aberta.

Desenvolvimento
Ao analisarmos os dados provenientes das movimentações portuárias com o respectivo crescimento do PIB do país, constatamos que esse crescimento não ocorre na mesma proporção do crescimento das exportações, e que essa relação de desproporcionalidade, que não necessariamente representa um problema econômico, vem se tornando cada vez mais acentuada ao longo das últimas duas décadas. Isso mostra como a movimentação portuária vem naturalmente se distanciando de um modelo econômico local e se aproximando cada vez mais de uma economia globalizada.

O gráfico 1 apresenta a atual relação de independência entre a evolução das exportações e o crescimento do PIB. Desde o início do processo de globalização em 1990 até o ano de 2022, a soma das exportações alcançou a ordem de US$ 4,5 trilhão contra apenas US$ 1,5 trilhão da
soma do crescimento da geração de PIB a preços atuais, conforme tabela 1, apresentada abaixo.

Dessa nova relação surge um questionamento: Por que o valor das exportações ultrapassa o valor de crescimento do PIB? O que está provocando esta mudança e como a gestão portuária deve se posicionar para que os portos e os investimentos necessários à sua modernização continuem ocorrendo?
A gestão de portos no Brasil enfrenta inúmeros desafios em função da internacionalização da economia e da globalização. A necessidade de investimentos em infraestrutura e modernização portuária é uma das principais implicações desse processo. No entanto, esses investimentos
trazem consigo os riscos de retorno, devido a um fenômeno conhecido como flexibilidade produtiva.

A flexibilidade produtiva consiste no deslocamento da produção para regiões e países que oferecem maiores vantagens competitivas. Isso ocorre devido às mudanças nas cadeias globais de produção, que passaram a ser fragmentadas e dispersas em diferentes países. Nesse contexto, os portos tornaram-se pontos estratégicos, pois são responsáveis pelo fluxo de mercadorias entre os diferentes elos dessa cadeia. De acordo com alguns autores, a flexibilidade produtiva está correlacionada ao deslocamento de um fluxo global de investimentos. Segundo Scott (1991), a capacidade de reorganizar e transferir rapidamente a produção para diferentes regiões geográficas, onde as vantagens competitivas são melhores, impulsiona o movimento de investimentos internacionais. Para Dicken (1992), a flexibilidade produtiva está ligada à busca por redução de custos e aumento
da eficiência, levando as empresas a investirem em regiões que oferecem mão de obra barata, incentivos fiscais e infraestrutura adequada.
Essa dinâmica tem consequências diretas para os portos brasileiros. O aumento da movimentação de mercadorias nos portos impulsionado pela flexibilidade produtiva indica um crescimento aparente, porém, haja vista que grande parte dessas mercadorias não são consideradas como produção do país em que foram exportadas, o impacto no PIB torna-se limitado. Essa situação traz desafios para a gestão dos portos, que precisam encontrar formas de garantir a sua sustentabilidade financeira em meio a um fluxo de mercadorias que não necessariamente se traduz em crescimento econômico para o país.

Outro importante fator que impulsiona uma mudança na gestão portuária tem sido a crescente integração do transporte marítimo por navios de economia de escala1, o que tem demandado uma aceleração dos investimentos para que as alterações nas estruturas e instalações portuárias
sejam realizadas e os portos possam exercer sua função estratégica neste novo cenário econômico. Olhar para essas mudanças do ponto de vista do Estado, que sempre irá esperar uma contrapartida em crescimento econômico frente aos investimentos demandados em modernização portuária, é lidar com as incertezas relacionadas a configuração e deslocamento de um fluxo global de investimentos que exerce forte pressão para que os portos alcancem um nível de eficiência operacional e de custos necessários para que esse constante movimento da produção em busca das regiões que oferecem as melhores vantagens competitivas ocorra.

Em uma economia de escala aberta, o Estado passou a exercer o papel de um provedor de integração entre a regiões, coordenando um movimento de atração desse fluxo global de investimentos, por meio de uma avaliação de atratividade que atua sob uma nova lógica. A construção das economias de escala aberta em um mercado globalizado tem contribuído para o aumento da movimentação nos portos brasileiros, uma vez que muitos dos itens
transacionados são componentes que serão utilizados na produção de bens finais em outros países. No entanto, essa movimentação nem sempre se traduz em crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, pois esses componentes não são considerados como produção do país em que são exportados, desconstruindo a lógica do mecanismo utilizado anteriormente pelo Estado para avaliação de atratividade de investimentos em infraestrutura e modernização portuária no Brasil, resultando em incerteza e aumento do risco de retorno sobre esses investimentos.

Esses são os fatores de influência da gestão e administração dos portos brasileiros contemporâneos, reflexo do fenômeno da internacionalização da economia juntamente com o processo da globalização.

Considerações Finais
O deslocamento da produção em busca de regiões que oferecem vantagens competitivas é o grande responsável pelo descompasso entre as exportações e o crescimento do PIB, uma condição que coloca a gestão e administração dos portos brasileiros frente a um desafio de conciliar o crescimento da eficiência operacional e de custos das operações portuárias com os programas de investimentos que não conseguem mais enxergar com exatidão os ganhos para o país em crescimento de PIB.

Os portos precisam ser reposicionados estrategicamente dentro da atual estrutura portuária brasileira, cabendo à gestão e administração de portos, identificar quais portos possuem vocação para serem os concentradores de navios de economias de escala (hub-ports), reestruturando todo o restante da infraestrutura portuária para as operações de cabotagem ou de comodities. A gestão portuária tem encontrado alternativas na modernização do seu sistema de tarifas e na migração do porto para hub-port como alternativa para estabelecer um modelo de atratividade mais adequado, que não esteja atrelado ao modelo de avaliação de investimentos antigo, nesse cenário, a atuação da iniciativa privada tem sido decisiva na resolução desse impasse, ou na construção desse novo modelo que dá respostas a intensificação das trocas e de um sistema produtivo disperso e em constante deslocamento, possível de se observar em suas nuances por meio de um fluxo global de investimentos que está sempre em busca de regiões que oferecem
as melhores vantagens competitivas.

É possível observar que atual estrutura de gestão dos portos já conta com uma organização voltada para atuação na integração dos portos, e gestores portuários que já empreendem esforços no sentido de uma modernização da gestão portuária, em alguns casos é possível observar esforços no sentido de simplificar as tarifas de operação garantindo mais agilidade e clareza para avaliação do retorno sobre operação de portos com vocação para hub-ports.


Atualmente a gestão portuária já consegue, por meio de desenvolvimento de ferramentas e sistemas de informação, conhecer melhor desempenho de cada porto identificando quais fluxos de cargas compõem esse movimento de flexibilização da produção global e já consegue construir estratégias para avaliação e realização de investimentos adequados ao novo nível de risco. Toda essa atuação da gestão e administração portuária passa por uma compreensão da existência de uma grande lacuna de eficiência operacional observada quando comparamos os portos brasileiros aos portos de países com um nível de desenvolvimento mais amadurecido, e os entraves políticos e culturais que impedem uma maior aceleração de investimentos em modernização portuária. Porém, a construção dessa percepção, que de certa forma, molda a atual estrutura de gestão e administração de portos brasileiros, já é um grande avanço.

O Brasil necessita de uma gestão portuária capaz de lidar com a complexidade e a diversidade das operações de manuseio, transporte e armazenamento de mercadorias, além da administração do porto organizado, pois este integra-se à cidade e à matriz de transporte e tem o seu
desempenho fortemente afetado pela atuação dos governos e municípios e principalmente pela atuação de “empresas satélite” responsáveis pela intensificação das trocas e deslocamento da produção entre regiões. Portanto, a gestão de portos no Brasil deve enfrentar o desafio de se adaptar à dinâmica da flexibilidade produtiva, buscando acompanhar as mudanças nas cadeias globais de produção e tornando-se mais atrativos para as empresas que buscam eficiência e redução de custos. Além disso, é necessário repensar a forma como o PIB é calculado, levando em consideração não apenas a movimentação física de mercadorias, mas também o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva. Somente assim será possível avaliar adequadamente o retorno dos investimentos em infraestrutura e modernização portuária e promover um desenvolvimento econômico sustentável para o país.

Foto: Divulgação

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