Ainda atravessando os desafios de um ambiente financeiro marcado pela volatilidade, as fintechs mantiveram o crescimento e expandiram sua atuação em 2023, concedendo R$ 21,1 bilhões em crédito, volume que representa um aumento de 52% em relação ao ano anterior. As conclusões são da Pesquisa Fintechs de Crédito Digital 2024, realizada entre a Associação Brasileira de Crédito Digital – ABCD e a PwC Brasil.
De acordo com a quarta edição do estudo, o resultado pode ser atribuído à resiliência e também à capacidade de adaptação das empresas do segmento, mesmo diante de um momento econômico adverso, marcado por uma taxa básica de juros alta — a Selic começou o ano em 13,75%, encerrando em 11,75%.
Seguindo essa conjuntura, as fintechs conseguiram reduzir os juros cobrados em sete categorias de crédito para pessoas físicas: ainda que o cartão de crédito rotativo oferecido pelo setor apresentasse juros de 242,4% ao ano, a média nacional, divulgada pelo Banco Central, atingiu 440,8% ao ano. A substancial diferença, sugere o levantamento, pode refletir a maior eficiência operacional das empresas e o uso da tecnologia para aprimorar a gestão de riscos e oferecer condições mais favoráveis aos consumidores.
Quanto à oferta para clientes PJ, entre 2020 e 2023, houve uma redução nas taxas de juros para crédito com e sem garantia, movimento que indica que, apesar das taxas mais elevadas do que a média do mercado, as fintechs têm conseguido reduzir os juros para este segmento ano a ano, possivelmente devido a uma melhoria na avaliação de risco ou eficiência operacional. Desta forma, o setor se mostra mais competitivo do que o mercado em geral em algumas categorias de crédito para PJ, cobrando taxas de juros menores no cheque especial e no rotativo do cartão de crédito, por exemplo.
A pesquisa indica ainda um contexto de forte demanda por soluções de crédito digital, refletindo a confiança crescente dos brasileiros nos serviços das fintechs. Entre 2022 e 2023, as empresas do setor registraram crescimento de 79% no número de clientes pessoas físicas, chegando a 46,7 milhões no Brasil e cerca de 7 milhões no exterior. Não por acaso, 58% das fintechs de crédito ouvidas classificam-se como consolidadas, registrando faturamento anual ou investimento total acima dos R$ 20 milhões, um aumento de dez pontos percentuais desde 2022. Atualmente, 35% das fintechs de crédito têm mais de 150 funcionários, aumento de quatro pontos percentuais em relação ao ano anterior.
“Após a pandemia, as pessoas entenderam que podem consumir serviços financeiros de forma diferente, acostumando-se com novos métodos de pagamento como o PIX, que facilitou a adoção mais ampla das transações digitais. Esse fato contribui para que os consumidores se movam cada vez mais para um cenário sem dinheiro físico. A experiência digital provou ser eficaz e valiosa também para o fornecimento de crédito”, analisa Francisco Ferreira, presidente da ABCD.
Dados do relatório informaram que o avanço das fintechs de crédito em 2023 esteve mais alinhado ao crescimento orgânico do que ao lançamento de produtos, o que sugere que as empresas, enquanto expandiram sua base de clientes e suas operações, também inovaram para captar novos segmentos de mercado.
“Na edição passada da pesquisa, percebemos uma preferência das fintechs por produtos financeiros considerados mais seguros, acompanhada de uma cautela na gestão do crédito e uma retração no crescimento. Já em relação a 2023 notamos que a cautela está sendo deixada para trás. Começamos a observar um retorno aos produtos com maior risco, que permitem às empresas diversificar e explorar o mercado de forma mais ampla”, ressalta Willer Marcondes, sócio Strategy & líder de Consultoria em Serviços Financeiros da PwC Brasil.
Outros achados do estudo: o percentual de empresas que ofertam soluções tanto para clientes pessoa física quanto pessoa jurídica voltou a crescer no ano passado, chegando a 42%, um incremento de 17 pontos percentuais em relação a 2022; quase metade das fintechs pesquisadas (46%) já têm a licença do Banco Central para operar como Sociedades de Crédito Direto (SCD) ou Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEP), em comparação com apenas 11% em 2019. E 8% das empresas estão aguardando a liberação de licenças já solicitadas.
Já a proporção de fintechs que atuam como originadores de crédito permaneceu estável, indicando um papel consolidado dessa função no ecossistema de crédito digital. E, mesmo que os correspondentes bancários e as SCD continuem sendo os principais modelos adotados pelas fintechs, há uma tendência clara de diversificação e crescimento em outros modelos, como as instituições de pagamentos, as SEP e as Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFI), padrão que indica uma evolução no mercado para atender às diferentes demandas de consumidores e empresas.
Outras conclusões da Pesquisa Fintechs de Crédito Digital 2024 incluem:
- 74% das fintechs de crédito estão sediadas em São Paulo;
- Base de clientes pessoa física no Nordeste se expandiu em 2023, ultrapassando os 17,5 milhões de pessoas;
- 53% das empresas planejam investir em Inteligência Artificial nos próximos dois anos;
- Fintechs estão focando em Inteligência Artificial generativa, dedicando 64% dos recursos para financiar suas operações de crédito e alinhando suas taxas de juros com as do mercado;
- As empresas de crédito digital estão expandindo suas ofertas para além dos serviços tradicionais de empréstimo, com um aumento na adoção de plataformas como Banking as a Service (BaaS) e marketplaces de crédito;
- Apesar de uma ligeira queda ao longo dos anos, as soluções de Credit as a Service (CaaS) e Lending as a Service (LaaS) ainda são dominantes entre as ofertas das fintechs;
- 70% das empresas participantes do estudo aceitam bens como garantia; em 2022 o índice era de 56%;
- As fintechs apresentaram uma inadimplência média de 8,3% em 2023, com um peso maior no cartão de crédito rotativo;
- 62% das fintechs pesquisadas atendem a pessoas jurídicas, exclusivamente ou não;
- As fintechs enfrentaram desafios para atrair investimentos externos em 2023, com crescimento do uso de capital próprio, explicado parcialmente pelo aumento na concessão de licenças de operação pelo BC;
- A mudança de estratégias incluiu também um aumento no uso de debêntures e certificados de recebíveis como forma de reduzir a dependência de capital externo.
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