Luiz França – presidente da ABRAINC (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias)
À medida que nos despedimos de 2023, um ano de transformações e desafios marcantes para a incorporação imobiliária, é imperativo refletirmos sobre as experiências que moldaram nossa indústria e olharmos adiante para o próximo capítulo que se inicia.
O ano de 2023 não foi isento de obstáculos, e a resiliência do setor imobiliário foi testada em diferentes frentes. O impacto significativo dos juros elevados, notadamente afetando o segmento de Médio e Alto Padrão, exigiu uma abordagem cautelosa para atenuar seus efeitos sobre a demanda por empreendimentos. Paralelamente, a eventual mudança na regra de remuneração do FGTS, atualmente em discussão no STF, trouxe a perspectiva de tornar milhões de famílias inelegíveis ao principal programa de habitação popular do país, acrescentando complexidade ao cenário já desafiador do elevado déficit habitacional, estimado em 7,8 milhões de moradias.
Outro ponto crucial a ser destacado é o seguro de dano estrutural, proposto pela nova Lei do programa Minha Casa, Minha Vida, cuja inclusão foi vetada pelo presidente Lula. A implementação desse seguro, mesmo sem histórico de sinistros, poderia resultar em um aumento de até 4% nos custos de construção – um montante que poderia impactar em mais de R$ 3 bilhões de reais no custo das obras, tornando inviáveis obras destinadas à população de baixa renda.
Vale destacar nesse caso que a incidência de problemas de pós-obra de natureza estrutural é extremamente baixa no âmbito do MCMV. Relatórios do TCU (Tribunal de Contas da União) de 2014/2015 apontaram que os problemas se concentram em vícios construtivos não estruturais, a maioria dos quais já cobertos por outros seguros aplicáveis ao Programa. Um estudo elaborado pela ABRAINC a partir de 280.836 unidades de 934 empreendimentos entregues num período de 5 anos (de janeiro de 2017 a janeiro de 2022) apontou que, de todas as patologias encontradas, os problemas estruturais corresponderam a apenas 0,56% de todos os acionamentos.
Dessa maneira, o veto do presidente Lula se baseou em sólidos argumentos técnicos, de modo que consideramos seja fundamental ser mantido pelo Congresso Nacional, pois o dispositivo cria ônus excessivo para as empresas, dificulta o acesso da população às unidades imobiliárias e, por isso, vão de encontro com os objetivos de um adequado enfrentamento do déficit habitacional.
Contudo, nossa indústria não apenas enfrentou esses desafios, mas emergiu mais forte, abraçando a inovação e adaptando-se rapidamente às mudanças. A agilidade demonstrada por muitas empresas foi crucial para manter o crescimento sustentável, sublinhando a importância de considerar a mudança como uma constante e investir em soluções dinâmicas. E não faltam incentivos para isso. Um estudo global da McKinsey revelou o vasto potencial da inovação no setor, indicando que a adoção das melhores práticas em cada etapa do processo de construção poderia resultar em um aumento de produtividade de até 60%. Apenas a digitalização, por exemplo, poderia gerar um ganho de USD 800 bilhões para o setor.
A transformação digital despontou como um catalisador essencial para o avanço na incorporação imobiliária. O investimento em processos mais eficientes e experiências digitais aprimoradas não apenas elevou a qualidade dos serviços, mas também fortaleceu a conexão com os clientes. Em uma pesquisa recente realizada em parceria com a Brain Inteligência Estratégica, constatamos que 46% dos compradores de imóveis têm interesse em concluir a compra de forma totalmente digital, sem a necessidade de comparecer ao cartório. Além disso, 80% dos compradores que tiveram alguma experiência virtual no processo de aquisição de imóveis apreciaram a experiência, indicando que estamos seguindo na direção certa. A integração de tecnologias como realidade virtual, inteligência artificial e análise de dados tornou-se imprescindível, impulsionando eficiência operacional e fomentando a inovação.
Em 2023, o setor da construção testemunhou um crescimento notável em relação às startups, com 1.068 delas em atuação, um aumento de 12% em relação ao ano passado e sustentando uma trajetória ascendente pelo sexto ano consecutivo. Apesar das adversidades enfrentadas pelas startups devido às altas taxas de juros, as empresas atraíram investimentos significativos, totalizando R$ 789 milhões em 2022, registrando um aumento expressivo de 24% em comparação a 2021. Além disso, as incorporadoras estão cada vez mais engajadas nesse cenário, com 38% delas já estabelecendo parcerias com proptechs e construtechs, conforme relatado pela Deloitte. Este panorama reflete a atratividade contínua do setor da construção para investimentos em inovação e o papel vital desempenhado por empresas emergentes na redefinição do cenário.
Neste ano, a sustentabilidade também se consolidou como um pilar estratégico no desenvolvimento de projetos imobiliários. A crescente conscientização ambiental impulsionou práticas mais sustentáveis, desde o design até a construção e operação de empreendimentos. A incorporação imobiliária responsável não apenas atendeu às expectativas do mercado, mas também contribuiu para a construção de um futuro mais sustentável e ético.
Neste cenário, a ABRAINC lançou a 2ª edição do E-book ESG na Prática em 2023, reunindo um compilado de cases de sustentabilidade na incorporação imobiliária. Disponível gratuitamente para download no site da entidade, este material exemplifica a implementação de práticas sustentáveis, servindo como fonte de inspiração para o setor.
Outro exemplo prático do movimento do setor em direção à sustentabilidade é a criação da Aliança pela Redução de Gases do Efeito Estufa (GEE) no setor de construção e incorporação imobiliária. Esta iniciativa, promovida em conjunto pela ABRAINC, Secovi-SP e SindusCon-SP, visa não apenas fomentar a redução das emissões de GEE, mas também apoiar e promover atualizações para elaboração de inventários de emissões de carbono adaptadas ao contexto da área. Além disso, a Aliança prepara o setor para um posicionamento proativo na agenda climática, buscando contribuir de maneira eficaz para a mitigação dos impactos ambientais.
No âmbito do mercado imobiliário, vale destacar o bom desempenho do setor nas vendas, evidenciado pelo crescimento de 22,2% no número de unidades comercializadas entre janeiro e setembro de 2023. Paralelamente, observou-se uma redução de 8,1% no volume de unidades lançadas no mesmo período, ressaltando a importância de uma contínua redução das taxas de juros e a diversificação das modalidades de financiamento para impulsionar ainda mais o setor.
Ao lançarmos nosso olhar para o próximo ano, vislumbramos um horizonte de oportunidades e inovações. A digitalização permanecerá como alicerce essencial para o progresso, impulsionando soluções tecnológicas avançadas e experiências personalizadas para os clientes. A busca pela sustentabilidade será intensificada, impulsionando projetos que equilibram crescimento econômico com responsabilidade ambiental.
Por fim, o setor de incorporação imobiliária encontra-se em um momento crucial de evolução e transformação. A capacidade de aprender com os desafios passados e antecipar as tendências futuras será fundamental para o sucesso contínuo de nossos empreendimentos. Neste contexto, a colaboração e o diálogo contínuo entre todos os envolvidos são essenciais para construir um futuro mais resiliente, inovador e sustentável.
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