Reforma Tributária: o que vem por aí?

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Alessandra Nascimento

Editora-chefe

A tão comentada Reforma Tributária teve um outro capítulo nesta semana quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao Congresso entregar o primeiro projeto de lei tratando sobre o consumo, com a regulamentação dos novos tributos, principalmente o IBS (que substitui os impostos sobre consumo de competência estadual e municipal) e a CBS (que substitui o PIS, Confins e IPI).

O tema ainda vai dar pano pra manga. Há quem diga que a reforma tributária deve elevar o PIB brasileiro em cerca de 10% nas próximas décadas, mas outros consideram que há pontos que requerem melhor tratamento.

Para falar sobre a Reforma Tributária, o site Café com Informação conversou com o especialista Alexandre Mazza.

Site Café com Informação: O que muda com a Reforma Tributária?
Alexandre Mazza: Muda muita coisa. O projeto que foi enviado ontem pelo Governo ao Congresso Nacional tem 500 artigos. Para que se tenha uma ideia do tamanho disso, o Código Tributário Nacional inteiro tem um pouco mais de 200.
São muitas e profundas as mudanças propostas, e o que tem de mais importante é uma espécie de simplificação da quantidade de tributos. Sendo aprovado como o Governo quer, teremos uma redução no número de tributos, o que não significa necessariamente uma redução da carga tributária.
Uma outra linha é beneficiar a população mais carente, há vários instrumentos previstos na reforma com esse objetivo. Tem exoneração de tributo, ou seja, retirada de tributo de itens da cesta básica; a previsão de devolução chamada de cash back; mudanças no IPVA, que passa a tributar barcos e aeronaves; essas são algumas das alterações mais importantes. Não chega a ser uma simplificação de normas, mas uma redução da quantidade de tributos.

SCI: Dois impostos? Para quê isso? Como será feito o repasse financeiro?
AM: Uma parte importante da reforma prevê a criação de mais três tributos no Brasil, que vão eliminar outros cerca de 6 ou 7. Dois entre os 3 têm como objetivo fazer uma cobrança mais justa de impostos em relação a itens que são de consumo mais estimulado para a população carente. Não sei porque foi deixado de lado a redução das proteínas, mas me parece que seria uma redução muito substancial na arrecadação e o Governo achou melhor tirar esse tipo de produto para que a reforma não implicasse uma redução muito grande na arrecadação, mas do ponto de vista da cesta básica e nutricional, a proteína teria que ser incluída nesta redução de tributos.

SCI; Verifiquei que a cesta básica teve redução. Quais valores desta redução?
AM: Uma das propostas do Governo, que pode sofrer mudanças dentro do Congresso Nacional, fala que os itens fundamentais da cesta básica teriam praticamente anulação de tributação, ou pelo menos do seria hoje o ICMS e o IPI, o que já seria uma redução bastante expressiva destes itens. É sempre importante lembrar que só a redução do tributo em si não garante que haverá uma redução no preço, porque precisa ver como os comerciantes vão lidar com essa redução: se eles vão repassá-la para o preço do produto, se haverá o desconto correto do imposto que deixa de ser devido, ou seja, tudo isso ainda é uma interrogação que depende muito do resultado do processo final de aprovação. Lembrando que essa proposta enviada pelo Governo é só um projeto de lei, ela pode ser inteira modificada se o Congresso achar que é o caso.

SCI: Como vai funcionar o cash back que o governo tanto prega?
AM: O cash back foi uma das medidas anunciadas com mais ênfase pelo Governo desde que foi aprovada a emenda da reforma tributária. Quando a RT foi aprovada dentro da Constituição, não se tinha ideia de como esse cash back seria feito, agora fica um pouco mais clara a ideia de que: na boca do caixa, haverá um crédito em favor das famílias que tenham uma renda menor do que meio salário-mínimo por pessoa. Esse crédito seria descontado no momento do cálculo do preço final do produto, que resultaria em uma redução. Esse seria um mecanismo muito bem-vindo, que projeta a reforma para uma finalidade que merece ser aplaudida, que é uma maior igualdade na tributação. No Brasil, há uma carga tributária muito elevada para a população mais carente, enquanto os mais ricos pagam proporcionalmente um valor de tributo que não se justifica. Esse mecanismo busca uma isonomia na tributação, que foi um dos sonhos quando aprovada a Constituição de 88.

SCI: Há profissões que terão dedução de impostos e não vi menção ao faturamento, mas a categoria.
AM: Do meu ponto de vista seria muito mais justo trabalhar a partir do faturamento que o profissional autônomo tem, independente de qual nicho ele atua. Porque essa tributação diferenciada por nicho faz com que categorias profissionais mais fortes e melhor representadas no Congresso Nacional consigam uma redução maior de tributos se comparada com outras categorias profissionais que tem menos força. Então, seria melhor trabalhar com a diferenciação baseada no resultado/lucro, lembrando que a tributação sobre receita e faturamento é muito cruel como acontece hoje, por exemplo, com a COFINS, porque é tributada a entrada de caixa da empresa, ou seja, mesmo se a empresa opere no vermelho, ela tem entrada de caixa, ainda que as dívidas ou passivo delas supere essa entrada. Então, tributa-se uma empresa que pode estar tendo prejuízo. Seria melhor tributar sobre o lucro, de modo que se essa empresa estivesse operando no azul, ela pagaria; se estivesse no operando no vermelho, deixaria de pagar.

SCI: Como você vê a reforma tributária? O que você acredita que poderia ser melhorado?
AM: Eu vejo que ela é muito bem-intencionada e bem-vinda no aspecto de buscar um maior equilíbrio de carga tributária em relação a população carente, que paga muito tributo embutido versus as pessoas com amor patrimônio e que são pouquíssimos tributadas. A ideia de buscar essa igualdade é excelente. Quanto a redução da complexidade dos tributos brasileiros, a reforma não ajuda em nada, porque há uma redução nominal da quantidade de tributos, mas em termos de quantidade de normas, de complexidade e dificuldades contábeis, não vai mudar muita coisa, mas existe uma tradição no Brasil de achar que mudanças tributárias sempre vão trazer uma redução na dificuldade do pagamento de tributos, uma simplificação, o que nem sempre acontece.

SCI: E na vida das pessoas comuns, como deve mudar a reforma?
AM; Na vida das pessoas comuns, em termos práticos, os itens da cesta básica vão ter realmente uma redução significativa de valores, isso se houver uma conscientização do empresariado no sentido de repassar essa redução de tributos para o preço final na gôndola. O mecanismo de cash back também vai ser bastante perceptível. Se não houver alteração neste projeto de lei, a expectativa é que de fato se atinja um equilíbrio maior na distribuição da carga tributária entre ricos e pobres no nosso país.

SCI: Para as empresas, como deve ser a mudança trazida pela reforma?
AM: Em relação às empresas, a reforma não é tão simples quanto o Governo diz. Do ponto de vista contábil, o pagamento destes tributos, mesmo havendo redução nominal, é tão complexo quanto no modelo anterior. A burocracia diminuirá um pouco, porque o projeto prevê que toda a documentação tributária em forma de pagamento se dê por meio eletrônico, isso ajuda, mas as empresas ainda vão precisar contar com profissionais de contabilidade, porque a legislação, em grande parte, é feita para que ninguém consiga cumpri-la direito. O ICMS, por exemplo, é tão complicado que arrisco dizer que não há um comerciante no Estado de SP que atenda 100% do rigor que a legislação exige, porque é absolutamente impossível. É necessário interpretar leis, instruções normativas, regulamentos, portarias. Mesmo quem trabalha com direito tributário diariamente, é surpreendido por novidades o tempo todo.

Foto: Divulgação

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