Guardas Municipais e a análise do PL 3674/23

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*Paulo Cezar Martins Pinto

Está em tramitação na Câmara dos Deputados, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 3674/23 onde será analisado pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Constituição Justiça e Cidadania, autorizando os guardas municipais a fazer abordagem e revistar suspeitos de práticas criminosas, validando provas assim obtidas. A proposta, em análise na Câmara dos Deputados, inclui medidas no Estatuto Geral das Guardas Municipais e no Código de Processo Penal.


Sobre a complexidade desse tema, devemos traçar, para o caro leitor, algumas considerações jurídicas. No que se refere a esta tramitação no Congresso Nacional do projeto de Lei 3674/23, é preciso levar em conta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu sobre a matéria na ADPF 995, em agosto de 2023, onde firmou o entendimento de que as guardas municipais ou guardas civis metropolitanos, não possuem as funções ostensivas típicas da Polícia Militar e tampouco as investigativas próprias da Polícia Civil. Com isto, em regra, estariam fora das atribuições das guardas municipais, atividades como investigação de suspeitos de crimes que não tenham relação com bens, serviços e instalações do município.


Com o julgamento da ADPF 995, o STF repetiu o Estatuto das Guardas Municipais (Lei 13.022/2014), ao afirmar que cabe às guardas municipais apenas combater infrações “que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais”, o que – segundo a corte – é “atividade típica de segurança pública exercida na tutela do patrimônio municipal”; já que igualmente, promove a proteção da população que utiliza dos bens, serviços e instalações municipais, sendo atividade típica de órgão de segurança pública.


Entretanto, ao confirmar que as guardas civis municipais (GCMs) fazem parte do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o Plenário do Supremo Tribunal Federal não autorizou os agentes dessas instituições a fazer abordagens e buscas pessoais, tampouco, a decisão entrou em conflito com a decisão anteriormente proferida pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o mesmo tema.


Na decisão da 6ª Turma do STJ, ficou definido que as guardas municipais não podem exercer atribuições das polícias civis e militares, sendo estipulado no mesmo julgado que os agentes municipais não podem abordar e revistar pessoas, a não ser em situações absolutamente excepcionais, quando tais medidas estiverem diretamente relacionadas à finalidade da corporação — que, segundo a Constituição, é a proteção de bens, serviços e instalações do município.


Conforme o art. 144 da Constituição Federal, cada órgão de segurança pública tem suas atribuições e responsabilidades definidas de forma taxativa. O fato de fazer parte do sistema de segurança pública não atrai para nenhum órgão as atribuições dos demais.
Conforme consta na Constituição Federal e na Lei n. 13.022/14, as atribuições dos guardas municipais abrangem, basicamente, a proteção dos bens, serviços, logradouros e instalações do Município e considerando que a Administração Pública só pode fazer aquilo que está expressamente definido na lei (Princípio da Legalidade), não cabe ao servidor extrapolar os limites legais que definem suas atribuições no cargo.


Se para os particulares o que não é proibido é permitido, com relação aos servidores públicos, deve ser considerado, que não basta haver a proibição de fazer ou deixar de fazer, mas, é preciso que o legislador expresse literalmente o que deve ser feito (princípio da legalidade).
Ao julgar a ADPF 995, o STF repetiu o Estatuto das Guardas Municipais (Lei 13.022/2014) e firmou que cabe à corporação combater apenas infrações “que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais.


Desse modo, torna-se temerário que o Congresso Nacional aprove uma lei que afronte o art. 144 “§ 8º da Constituição Federal que trata das guardas municipais dispondo in verbis “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei (Vide Lei nº 13.022, de 2014).

Salvo na hipótese de flagrante delito, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se, além de justa causa para a medida (fundada suspeita), houver pertinência com a necessidade de tutelar a integridade de bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, assim como proteger os seus respectivos usuários conforme já firmado entendimento dos Tribunais Superiores.
Ademais, com relação ao Projeto de Lei 3674/23 em tramitação, há de se ressaltar que, a via eleita para qualquer inclusão ou mudança nas atribuições constitucionalmente previstas para os órgãos de segurança pública elencados no artigo 144 da Constituição Federal, deve ser por emenda constitucional, como ocorreu quando da inclusão da Policia Penal como órgão de segurança pública, através da emenda constitucional 104 que alterou o inciso XIV do caput do art. 21, o § 4º do art. 32 e o art. 144 da CF, para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital.


A crise na área de segurança pública tem levado parlamentares e gestores públicos a tomarem iniciativas populistas que só alimentam as já conturbadas distorções entre os órgãos de segurança pública. Como se não bastasse as conhecidas extrapolações de atribuições entre policiais civis e militares, onde se vê o serviço reservado da PM fazendo investigações paralelas, ou policiais civis ostensivamente fardados fazendo repressão (que o diga a atuação do CORE da Polícia Civil do Rio de Janeiro no caso do massacre do Jacarezinho), colocar guardas municipais atuando como policiais, fazendo abordagens, só iria ampliar os conflitos entre as atribuições das corporações, com pouco resultado prático na área de segurança pública para o cidadão.


Ademais, medidas paliativas com contorcionismos jurídicos, têm gerado mais insegurança jurídica do que resultados efetivos para a segurança pública como um direito do cidadão, que o diga as fracassadas intervenções do Exército no Rio de Janeiro com a decretação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e a criação improvisada da Força Nacional, que inicialmente foi considerada uma afronta ao art. 144 da CF, já que não foi criada por emenda constitucional, sendo arguida a inconstitucionalidade do Decreto 5.289/2004, que disciplinou a organização e o funcionamento da administração pública federal para desenvolvimento do programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), mas que depois, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu que o Decreto presidencial que criou a Força Nacional de Segurança Pública era constitucional.
No entendimento da 6ª Turma do TRF 1, de maneira unânime foi negado recurso proposto pelo Ministério Público Federal pedindo a nulidade das Portarias 2 e 5 do Ministério da Justiça, expedidas com base do Decreto 5.289/2004.


Diante o exposto, é bem provável que a aprovação do Projeto de Lei 3674/23 que dá mais poderes de polícia as guardas municipais, venha a ensejar uma ação de inconstitucionalidade, contudo, bem diferente do caso da Força Nacional que apresentamos aqui, se for analisado o Projeto de Lei 3674/23, há de se destacar que já há precedentes julgados e que são contrários a lei nos Tribunais Superiores, o que pode levar ao reconhecimento da inconstitucionalidade, mas isso, será uma outra questão.


Por ora, como muito se fala sobre o ativismo do Poder Judiciário, o que podemos ressaltar, nesse caso do Projeto de Lei 3674/23, é que há um claro ativismo do Poder Legislativo brasileiro, que no seu inconformismo com as decisões jurisdicionais já pacificadas pelos tribunais, se põe a legislar sobre matérias constitucionais já consolidadas pelas cortes superiores do país. Isto só demonstra a crise que há entre as instituições republicanas do país, que não pára, de nos criar saias justas.

*Paulo Cezar Martins Pinto é Doutorando e Mestre em Políticas Sociais pela UCSAL, Bacharel em Direito e Pedagogo, Major do Corpo de Bombeiros Militar e Assessor Jurídico na Vara de Auditoria Militar do TJBA.

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