Fernanda Brandão, coordenadora de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio
Na sombra do G20, pairava grande tensão sobre a questão do conflito na Ucrânia. Na segunda-feira, dia 18, enquanto os países do grupo se reuniam, incluindo a Rússia, representada pelo seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, foram divulgados pelo governo russo cenários de ataques russos a cidades europeias mostrando grande destruição. Além disso, enquanto a cúpula acontecia, foi também divulgada uma nova doutrina nuclear da Rússia afirmando que o país pode retaliar utilizando armas nucleares a qualquer ataque feito por um país que não possui armas nucleares, mas que seja realizado em conjunto ou parceria com um país que possua armas nucleares.
Antes da cúpula do G20, o governo americano havia autorizado que a Ucrânia utilizasse mísseis ATACMS americanos para realizar ataques em território russo. No dia 19, a Rússia afirmou que a Ucrânia havia feito seu primeiro ataque utilizando mísseis americanos em território russo e que haveria uma retaliação à altura. O comunicado foi acompanhado da nova doutrina nuclear russa. Nesta quarta-feira, dia 20, a Rússia teria supostamente feito ataques à Ucrânia utilizando mísseis ICBM que são capazes de carregar armas nucleares. Apesar de autoridades estrangeiras terem afirmado que na verdade não se tratava de mísseis ICBM, é inegável que o movimento tinha como objetivo mostrar a disposição russa em cumprir com suas palavras. Mísseis de longo alcance franceses e britânicos também foram empregados nos últimos dias pelo governo ucraniano para realizar ataques na Rússia. O escalonamento do conflito na Europa preocupa os países da região e coloca o mundo em alerta sobre um possível conflito nuclear. Além disso, há uma ameaça crescente por parte da Rússia de ataques à infraestrutura militar na Europa dos países que estão auxiliando a Ucrânia com armamentos.
A mudança na postura americana é explicada majoritariamente pela presença de soldados norte-coreanos no front da Ucrânia, dando o aval para o uso dos mísseis em território russo, mas também pode estar relacionada com a eleição de Donald Trump e sua promessa de suspender a ajuda militar à Ucrânia, que é custosa aos cofres americanos e acabar com a guerra em poucos dias de sua posse. Qualquer solução imediata para o conflito nos termos de Trump poderia envolver um cessar-fogo com o congelamento das fronteiras atuais sem a devolução dos territórios conquistados pela Rússia. Isso seria uma vitória para a Rússia e aumentaria o estado de alerta nos países vizinhos que temem a ameaça do expansionismo russo na região. Para a Ucrânia, seria uma perda significativa diante da clara violação da sua soberania territorial.
A primeira crise dos mísseis, entre URSS e EUA em torno da questão do posicionamento de mísseis soviéticos em Cuba em 1962, foram seis dias de grande tensão durante a Guerra Fria, em que a possibilidade de uma guerra nuclear direta entre as duas potências se tornara mais plausível que nunca. Hoje, a Europa enfrenta sua própria crise dos mísseis com o aumento da ameaça do escalonamento do conflito na Ucrânia e a possibilidade de uso de armas nucleares pela Rússia. Paira sobre a Europa uma grande tensão sobre a possibilidade de uso de armas nucleares pela Rússia em retaliação ao apoio à Ucrânia. A possível evolução para um conflito nuclear na Europa teria impactos profundos sobre o continente e a política internacional. A guerra se tornaria em um conflito de proporções jamais vistas uma vez que a última vez que armas nucleares foram utilizadas foi no fim da Segunda Guerra Mundial. Hoje, o potencial de destruição do arsenal nuclear das grandes potências é muito maior do que o das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945.
Foto: Divulgação Faculdade Mackenzie Rio