A quantidade de domicílios com pessoas com algum grau de insegurança alimentar caiu para 18,9 milhões, o que representa 2,2 milhões de lares a menos nessa condição entre 2023 para 2024. Proporcionalmente, o número de domicílios recuou de 27,6% para 24,2% nesse mesmo período, indicando que quase um em cada quatro domicílio ainda está em insegurança alimentar. Consequentemente, a proporção de domicílios em segurança alimentar aumentou de 72,4% para 75,8%.
Os dados, divulgados hoje (10) pelo IBGE, são do módulo Segurança Alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, realizada por meio de uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Este módulo faz parte de uma série de resultados sobre este tema, já coletados na antiga PNAD (2004, 2009, 2013) e na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018. Embora não sejam pesquisas diretamente comparáveis, o IBGE manteve um padrão quinquenal que permite traçar a trajetória de enfrentamento da fome no país. A menor taxa de insegurança alimentar nessa série foi de 22,6% na PNAD 2013.
A pesquisa classifica a insegurança alimentar em três níveis:
Insegurança alimentar leve: preocupação ou incerteza quanto ao acesso a alimentos e redução da qualidade para não afetar a quantidade;
Insegurança alimentar moderada: falta de qualidade e redução na quantidade de alimentos entre adultos;
Insegurança alimentar grave: falta de qualidade e redução na quantidade de alimentos também entre menores de 18 anos. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.
Todos os três níveis de insegurança alimentar caíram de 2023 para 2024: leve, de 18,2% para 16,4%; moderada, de 5,3% para 4,5%; e grave, de 4,1% para 3,2%. Em relação ao nível grave, esse percentual representa 2,5 milhões de famílias que passaram por privação quantitativa de alimentos, que atingiram tanto adultos quanto crianças e adolescentes.
Proporção de domicílios com insegurança alimentar é maior no Norte e Nordeste
Norte (37,7%) e Nordeste (34,8%) apresentaram as maiores proporções de insegurança alimentar nos três níveis (leve, moderada e grave), sendo que o grau mais grave foi registrado em 6,3% e 4,8% dos domicílios, respectivamente. Entre as demais grandes regiões, a insegurança alimentar chegou a 20,5% dos domicílios do Centro-Oeste, 19,6% do Sudeste, e 13,5% do Sul.
A taxa de insegurança alimentar grave do Norte foi quase quatro vezes maior quando comparada com o Sul (1,7%), que foi a grande região com a menor proporção de domicílios em insegurança alimentar.
A quantidade de domicílios em insegurança alimentar era maior no Nordeste (7,2 milhões), seguido por Sudeste (6,6 milhões), Norte (2,2 milhões), Sul (1,6 milhão) e Centro-Oeste (1,3 milhão). “Em termos absolutos, a região Sudeste, por concentrar a maior parte da população, tem um número elevado de domicílios em situação de insegurança alimentar. Uma coisa é olhar por termos proporcionais, com piores situações no Norte e Nordeste. Mas quando vemos em termos de quantidade, são Nordeste e Sudeste”, explica a analista da pesquisa, Maria Lucia Vieira.
Quase todas as Unidades da Federação tiveram melhora na situação de insegurança alimentar entre 2023 e 2024. As exceções foram Roraima, que aumentou de 36,4% para 43,6%; Distrito Federal, que foi de 26,5% para 27,0%; Amapá, que passou de 30,7% para 32,5%; e Tocantins, que saiu de 28,9% para 29,6%. Por outro lado, nove estados tiveram menos de 20% no índice de insegurança alimentar: Santa Catarina (9,4%), Espírito Santo (13,5%), Rio Grande do Sul (14,8%), Paraná (15,3%), Goiás (17,9%), Mato Grosso do Sul (18,5%), Rondônia (18,5%), São Paulo (19,3%) e Minas Gerais (19,5%).
Os percentuais mais altos de domicílios em insegurança alimentar foram no Pará (44,6%), Roraima (43,6%), Amazonas (38,9%), Bahia (37,8%), Pernambuco (35,3%), Maranhão (35,2%), Alagoas (35%) e Sergipe (35%). Já os estados com nível grave de insegurança alimentar mais alto foram Amapá (9,3%), Amazonas (7,2%) e Pará (7,0%).
Proporcionalmente, a insegurança alimentar atingia mais domicílios em áreas rurais (31,3%) do que em zonas urbanas (23,2%). No grau mais grave de insegurança alimentar, o percentual de domicílios na área rural chegou a 4,6%, enquanto na área urbana foi de 3,0%.
“Esses dados vão um pouco contra a nossa intuição de que na área rural as pessoas plantam seus alimentos, portanto a insegurança alimentar ali seria menor. Entretanto, parte dos domicílios rurais tem rendimento per capita menor e maior presença de crianças, de tal forma que, mesmo com cultivo agrícola, esse pode ser restrito e não variado, não garantindo nem quantidade e nem qualidade”, avalia Maria Lucia.
Mulheres, pretos e pardos eram maioria entre os responsáveis por domicílios em insegurança alimentar
Em domicílios com insegurança alimentar, as mulheres eram responsáveis por 59,9% deles, enquanto os homens tinham essa condição em 40,1%. A maior diferença foi no nível moderado de insegurança alimentar, com 61,9% dos domicílios sob responsabilidade das mulheres, enquanto o percentual dos homens foi de 38,1%.
Embora a participação de mulheres (51,3%) como responsáveis pelo domicílio fosse um pouco superior a de homens (48,2%), quando se observa os domicílios em segurança alimentar, esta relação se inverteu, com homens sendo responsáveis em 50,8% e mulheres, 49,2%.
Os números mostram desigualdade também por cor ou raça. No contexto da insegurança alimentar, domicílios com responsáveis de cor branca eram 28,5%, os de cor parda, 54,7%, e os de cor preta, 15,7%. Para casos de insegurança alimentar grave, a participação de domicílios com pessoa responsável de cor parda passou para 56,9%, mais que o dobro da parcela que representava os domicílios cujo responsável era de cor branca, 24,4%.
Os domicílios com responsável de cor branca (45,7%) foram a maior parcela dos que estavam em segurança alimentar, acima dos domicílios com responsáveis de cor parda (42,0%) e preta (11,1%).
O nível de instrução também influenciou o grau de insegurança alimentar. Em 2024, para os domicílios que estavam em situação de insegurança alimentar, 51,5% tinham como responsáveis pessoas com no máximo o ensino fundamental completo, chegando a 65,7% nos casos graves. Já os que tinham ao menos o nível médio incompleto, 48,5% estavam com insegurança alimentar e 34,3% nos casos graves.
Já entre os domicílios que estavam em segurança alimentar, 35,1% tinham como responsáveis pessoas com até o nível fundamental completo, enquanto 64,9% dos domicílios tinham responsáveis com ao menos o nível médio incompleto.
Quando analisadas as ocupações dos responsáveis em domicílios com insegurança alimentar, 17,0% trabalhavam por conta própria, 8,6% eram empregados privados sem carteira, 6,5% eram trabalhadores domésticos, e 47,5% eram outros casos (trabalhadores familiares auxiliares, desocupados e pessoas fora da força de trabalho). Nos casos de domicílios em insegurança alimentar grave, 15,5% tinham responsáveis ocupados por conta própria, 8,3% como empregado com carteira assinada e 6,7% como trabalhador doméstico.
Em casos em que o responsável pelo domicílio era empregado no setor privado com carteira assinada, 23,4% dos domicílios encontravam-se em situação de segurança alimentar, o maior percentual entre todas as categorias. Já os que não tinham carteira assinada eram apenas 6,6%. Os domicílios em segurança alimentar com responsável sendo trabalhador doméstico representavam 3,4%. De acordo com a analista da pesquisa, a distribuição dos domicílios em segurança alimentar por posição na ocupação segue uma proporção bem próxima quando comparada à distribuição do total de domicílios.
Insegurança alimentar diminui conforme aumenta a idade dos moradores
Os dados mostram ainda uma maior vulnerabilidade à restrição alimentar nos domicílios onde residiam crianças ou adolescentes: 3,3% da população de 0 a 4 anos e 3,8% da população de 5 a 17 anos conviviam com insegurança alimentar grave. Na população de 65 anos ou mais esta proporção foi menor, de 2,3%.
À medida que aumentava a idade, crescia a proporção daqueles que viviam em domicílios com segurança alimentar. “A população com mais idade tem um rendimento em média maior, são pessoas que ainda contribuem financeiramente, seja com trabalho, seja com aposentadoria”, esclarece Maria Lucia.
Foto: Roberto Dziura Junior/AEN