Juan Ferrés é economista e sócio da Teros
O ecossistema de pagamentos brasileiro vive um momento de inflexão. Após a popularização do Pix e sua consolidação como principal meio de transações instantâneas no país, o sistema agora se vê pressionado por fragilidades na custódia dos recursos. Os recentes ataques às contas de reserva de instituições de pagamento (IPs) acenderam o alerta no Banco Central (BC), que já estuda medidas mais duras para proteger a infraestrutura financeira e evitar riscos sistêmicos.
Entre as ações, o regulador avalia suspender operações de IPs que não comprovarem mecanismos robustos de segurança digital. Hoje, existem cerca de 1.500 instituições autorizadas a operar no mercado, número considerado excessivo em comparação a outros países. Para o BC, não faz sentido permitir que centenas de pequenas empresas continuem exercendo funções críticas de custódia sem escala ou capacidade tecnológica.
O movimento sinaliza uma blitz regulatória, onde instituições fragilizadas poderão ser suspensas por até 90 dias, enquanto exigências mais rigorosas de balanço e capital mínimo devem acelerar a consolidação do setor, tendência já observada após mudanças recentes na regulação dos cartões.
A raiz do problema, no entanto, não está nas transações do Pix em si, mas na custódia dos recursos. Nos Estados Unidos, por exemplo, gigantes como a Pershing concentram trilhões de dólares sob modelos sólidos e auditados de custódia. No Brasil, ao contrário, pulverizou-se essa responsabilidade entre centenas de players menores, expondo brechas de segurança e ampliando o risco de ataques.
Com isso, vejo que a solução mais viável é separar funções, permitir que as IPs continuem processando pagamentos, mas sem reter os recursos. Nesse modelo, instituições mais robustas assumiriam a custódia, enquanto as demais migrariam para a categoria de iniciadores de transação de pagamento (ITPs). Um caminho que poderia ser viabilizado por meio de um fast track regulatório, reduzindo custos de supervisão e trazendo clareza sobre quem responde por riscos.
Esse redesenho também encontra respaldo no Open Finance. A arquitetura do sistema financeiro aberto já parte do princípio de separar quem detém o dinheiro de quem apenas inicia a transação. Acredito que essa é a base que pode sustentar a nova fase do Pix, tornando o ambiente mais seguro e transparente.
Outro ponto sensível na agenda do Banco Central são as exchanges e prestadores de serviços de ativos virtuais (VASPs). Essas plataformas, que também exercem funções de custódia, tornaram-se alvo de ataques e movimentações suspeitas envolvendo criptomoedas. A tendência é que o regulador estenda a elas as mesmas exigências impostas às instituições de pagamento tradicionais.
Dessa forma, o Brasil se encaminha para um novo modelo de pagamentos, no qual a custódia será concentrada em poucos agentes especializados e as transações continuarão sendo viabilizadas por uma rede ampla de iniciadores. Trata-se de uma mudança estrutural que exige adaptação rápida das instituições menores, sob risco de ficarem pelo caminho.
No fim das contas, o recado do Banco Central é claro: não basta inovar na experiência de pagamentos digitais, é preciso robustez e escala para garantir segurança. O Open Finance, ao separar funções e reduzir a dependência da custódia pulverizada, aparece como a peça-chave dessa transformação.
Foto Divulgação