Adary Oliveira, ex-presidente da Associação Comercial da Bahia, engenheiro químico e professor (Dr.)
“O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão” era o que dizia Antonio Vicente Mendes Maciel (1830-1897) mais conhecido como Antonio Conselheiro, que protagonizou a Guerra de Canudos no arraial de Canudos, um pequeno vilarejo no sertão da Bahia que atraiu milhares de pessoas, entre camponeses, indígenas e escravos recém libertos, até ser totalmente destruído pelo Exército da República, em 1897. O Estado da Bahia tem hoje a maior população rural do Brasil e cerca de 67% de seu território é formado pelo semiárido, região caracterizada por um clima árido, com baixa quantidade de chuvas e altas temperaturas, e é nele que reside o sertanejo, que Euclides da Cunha, ao publicar “Os Sertões” em 1902 o definiu como “antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral”.
O povo do sertão da Bahia dá as boas-vindas ao programa de produção da macaúba para agricultura familiar, pequenos e médios produtores, lançado recentemente pela Acelen Renováveis. Esta é uma empresa de energia subsidiária do Mubadala Capital que é também proprietária da Refinaria Mataripe, o maior contribuinte de ICMS no Estado da Bahia. Seu projeto deverá realizar investimentos de US$ 3 bilhões para produzir o HVO (Hydrotreated Vegetable Oil), combustível automotivo e SAF (Sustainable Aviation Fuel), combustível para aviões, usando o óleo extraído da macaúba como matéria-prima. A biorefinaria será construída próximo à Refinaria Mataripe e deverá utilizar toda a infraestrutura logística do Terminal de Madre de Deus, o segundo maior terminal aquaviário do país, para escoar sua produção.
A macaúba é uma planta nativa do Brasil, se assemelha ao ouricuri e tem o mais alto poder energético entre as oleaginosas. No total deverão se plantados 180 mil hectares de macaúba, sendo que 36 mil serão plantados em parceria com fazendeiros e pequenos agricultores. Serão aproveitadas áreas de pastagens consideradas degradadas, isto é, com baixa capacidade produtiva devido a redução da cobertura vegetal e presença de plantas invasoras, inclusive capoeiras, sem comprometer a produção agrícola tradicional de cada lugar. Os agricultores poderão continuar plantando feijão, mandioca, milho e outros alimentos e as pastagens remanescentes serão aprimoradas por meio de assistência técnica.
O projeto já iniciou o plantio da macaúba com pequenos agricultores na região de Montes Claros, no norte de Minas Gerais, com práticas modernas de manejo da macaúba e suporte técnico financeiro e sustentável. Na Bahia, está sendo implantada a primeira fazenda-modelo, na Cidade de Cachoeira, na localidade da Fazenda Campinas. Estão sendo plantados cerca de 200 hectares de um total de 1.500 ha. As 800 mil mudas iniciais virão do viveiro que está sendo construído em Mucugê, na Chapada Diamantina.
O modelo de produção é perfeito e apresenta viabilidade econômica e financeira. Na prática ele elimina as dificuldades fundiárias, reduz substancialmente os encargos sociais e reduz a exploração dos atravessadores. O mercado consumidor existe e tem capacidade de absorver toda a produção. O HVO e o SAF são combustíveis limpos, renováveis e deverão substituir os combustíveis de origem fóssil com vantagem econômica também. O fator de produção terra do semiárido é abundante e nele a macaúba se adapta bem, sendo resistente às secas que afligem o sertão. Entretanto, a força de trabalho integrada à rede de produção, como se estivesse formando uma corrente, precisa ser ajustada para ser atraída com todo o vigor. Os integrantes da agricultura familiar, por razões ligadas à sobrevivência, costumam dar prioridade à produção de alimentos. Nas terras que sobram costumam plantar tabaco (fumo), mamona e outras culturas que lhes proporcionam renda adicional. São pouco letrados, mas sabem fazer conta.
A Acelen Renováveis deverá ter grande influência na definição do preço de compra da macaúba produzida e deve estar ciente de que para todo o sistema funcionar bem, o preço deverá ser atrativo para o agricultor, pequeno ou grande. Daí vem que a força desse modelo de produção depende da observação da máxima popular que diz: “não existe corrente mais forte do que seu elo mais fraco”. Ninguém esqueceu quando, no sertão, nos anos 1960, foi lançado um programa para incentivo da plantação de mamona que dizia: “plante que o governo garante”. Foi um fracasso. Todos plantaram e o governo falhou na garantia de um bom preço. De qualquer maneira o projeto de plantio da macaúba para produção de combustíveis em escala industrial é o que existe de mais revolucionário e capaz de mudar para melhor a vida do sertanejo e poderá, acreditem, fazer o sertão virar mar.
Foto: Site Café com Informação