*Luiz Ohara é Head of Financial Markets na Semantix
Nos últimos anos, temos testemunhado uma tendência crescente no varejo, tanto no Brasil quanto nos demais países: a ascensão dos varejistas como instituições financeiras. Com a modernização da regulação, o avanço das tecnologias e o surgimento de fintechs inovadoras, empresas tradicionais do varejo têm buscado diversificar seus negócios, oferecendo serviços financeiros aos clientes. Neste artigo, vamos explorar o fenômeno da fintechização e analisar como Magazine Luiza, Mercado Livre, Via e Pernambucanas estão se tornando instituições financeiras de referência.
A fintechização refere-se à incorporação de serviços e produtos financeiros por empresas que não são tradicionalmente instituições financeiras. Esse movimento foi impulsionado pela adoção em massa de tecnologias digitais e dados, que possibilitaram a criação de produtos de crédito e de gestão de patrimônio por meio de soluções de pagamento, plataformas de BaaS (Banking-as-a-Service) e arranjos regulatórios inovadores. Os varejistas, ao ingressarem no setor financeiro, têm a oportunidade de diversificar suas receitas, aumentando o engajamento de clientes e fornecedores e criando uma proposta de valor mais abrangente.
Magazine Luiza: o caso da MagaluPay
Um exemplo marcante dessa tendência é o Magazine Luiza, uma das maiores varejistas do Brasil. A empresa expandiu suas operações para oferecer serviços financeiros por meio da constituição da Magalu Pagamentos, uma instituição de pagamentos e adquirentes. Com a aquisição da Hub Fintech, solução completa de BaaS (Banking-as-a-Service), o Magazine Luiza pôde criar uma oferta completa para clientes e fornecedores. Para os clientes, uma variedade de produtos financeiros, como cashback, cartões de crédito, pagamento de boletos, soluções de pagamento, como PIX, empréstimos e seguros. Para sua cadeia de fornecedores, soluções de cobrança e antecipação de recebíveis.
A combinação de tecnologia, enquadramento regulatório mais leve e capilaridade da rede Magazine Luiza fez com que uma operação de apenas dois anos de existência chegasse, ao fim de 2022, segundo números da própria companhia, a um volume total de transações processadas de R$ 90 bilhões para 8,9 milhões de contas, além de carteira de crédito para cartão de R$ 20,6 bilhões, para um total de 7,1 milhões de cartões emitidos, tornando a empresa uma referência no setor financeiro.
Pefisa: expertise do varejo para construir uma solução B2B
Em 2020, as Lojas Pernambucanas, utilizando o seu conhecimento adquirido em anos de fornecimento de crediário para a sua rede de clientes, anunciaram a criação da Pefisa (Pernambucanas Financiadora). Focada no público PJ, Pefisa é solução completa e white-label para bancarização de empresas não financeiras que tenham interesse em estruturar a sua operação financeira.
O portfólio inclui emissão de cartão private-label (com a marca da empresa), serviços de pagamento, cobrança, crédito, folha de pagamento e desconto de recebíveis. Igualmente escalável, a Pefisa atinge, ao fim de 2022, e de acordo com os números do seu balanço, uma carteira de R$ 3,3 bilhões e tem, como um dos casos de sucesso, a criação do Palmeiras Pay.
Mercado Livre: pioneirismo para virar uma potência financeira
Pioneiro na criação de soluções de pagamento embutidas na sua operação de vendas, o Mercado Livre, desde 2003, possui o Mercado Pago. Inicialmente atuando como meio de pagamento para as suas próprias transações, hoje, o Mercado Pago é uma solução completa para indivíduos e empresas — o portfólio de produtos inclui as opções tradicionais, como meio de pagamentos, cartão, empréstimos, cobrança e antecipação de recebíveis, mas também engloba produtos de investimento e criptomoedas.
O gigante eletrônico é também um gigante financeiro — os números impressionam. Em uma operação que inclui vários países da América Latina, o Mercado Pago possui 43,7 milhões de usuários e uma receita que já correspondia a mais de 50% do grupo Mercado Livre ao fim de 2022.
Via: democratização no setor de serviços financeiros
A Via, conhecida anteriormente como Via Varejo, é outra empresa brasileira que está aproveitando a fintechização para expandir seus negócios. Originalmente uma varejista de eletrônicos e eletrodomésticos, a Via adquiriu a banQi, uma fintech que oferece serviços bancários digitais para clientes de baixa renda. Através do banQi, a Via oferece contas digitais, cartões pré-pagos e empréstimos para consumidores que, muitas vezes, estão fora do alcance dos serviços financeiros tradicionais. Essa estratégia permite que a Via amplie sua base de clientes e a fortaleça.
O crescimento do fenômeno da fintechização do varejo está, sem dúvidas, diretamente relacionado com os avanços tecnológicos. Porém, de nada adiantariam os dados se não houvesse engajamento dos clientes e da rede de fornecedores desses varejistas. O engajamento só ocorre através de uma boa jornada do produto principal do varejista que, além da venda, consiste em garantir a melhor experiência ao consumidor. Um alto volume de vendas gera o equivalente em capilaridade, que, por sua vez, leva a um grande número de informações a respeito do comportamento do cliente.
A dimensão desses dados proporciona maior capacidade de alimentar os motores de propensão de produtos financeiros e risco de crédito, ação que auxilia na aquisição dos produtos dessa natureza com melhores taxas e, consequentemente, contribui com um engajamento ávido do cliente para manter-se na rede do varejista.
Em resumo, a fintechização do varejo gera um círculo virtuoso, onde a operação de vendas alimenta o produto financeiro que reforça a operação, trazendo, inclusive, maior liquidez monetária e de crédito para a economia, essencial em um cenário de alta na inadimplência e juros. Dados e modelos são as melhores ferramentas para unificar tecnologia, vendas e produtos financeiros.
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