Muitas empresas brasileiras que possuem valores de incentivos fiscais estaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) registrados contabilmente como Reserva de Incentivos Fiscais (na conta Reserva de Lucros), têm utilizado tais montantes para compor a base de cálculo para pagamento do Juros sobre Capital Próprio (JCP). A utilização do JCP pelas empresas para remunerar os acionistas pode trazer uma economia da tributação de até 34% do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Contudo, segundo a KPMG, o impacto de bilhões de reais de economia aos contribuintes está chamando a atenção do Fisco.
Há autoridades fiscais interpretando que tais incentivos fiscais do ICMS somente poderão ser utilizados para absorção de prejuízos ou capitalização, conforme reza a legislação (caput do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014). Em caso de destinação diversa da prevista nesse dispositivo, ou seja, eventual distribuição de JCP com tais montantes, os mesmos devem ser tributados pela empresa pelo IRPJ e CSLL a razão de 34%, causando enormes prejuízos às empresas que se utilizaram desse instrumento para remunerar acionistas.
Muito embora não haja informações públicas sobre a quantidade de empresas que utilizaram esse recurso, em alguns casos os valores são muito expressivos, considerando que, no Brasil, há Estados que oferecem a renúncia de mais de 90% do ICMS devido e/ou financiado, como é o caso dos Estados do Espírito Santo e Goiás, respectivamente. Notícias publicadas recentemente relatam que o JCP está na mira do Ministério da Fazenda, sendo que, em pelo menos 43 empresas, os JCP representam 50% ou mais da remuneração oferecida aos acionistas, na média dos últimos cinco anos.
De acordo com Marcos Grigoleto, sócio da área de Impostos da KPMG no Brasil, “há previsão legal para que o valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de JCP, possa ser imputado ao valor dos dividendos sem prejuízo de sua dedutibilidade no cálculo do IRPJ e da CSLL. Assim, muitas empresas se utilizam desse instrumento para complementar a distribuição de dividendos mínima determinada em contrato e/ou estatuto social”, afirma.
O sócio da KPMG alerta ainda que, “nesse cenário de inúmeras incertezas quanto à interpretação da legislação tributária, as empresas que nos últimos cinco anos adotaram o procedimento de incluir os incentivos ficais estaduais do ICMS na base de cálculo do JCP poderão ser requisitadas a prestar esclarecimentos as autoridades fiscais, devendo reunir bons argumentos de que atenderam todos os requisitos previstos em lei para distribuição dos JCP aos acionistas”, complementa.
O JCP é uma forma de remunerar sócios e acionistas que, via de regra, pode ser uma vantagem para a companhia no aspecto tributário, pois o valor da remuneração deve ser lançado como uma despesa, a qual será dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Numericamente, nesse caso, os contribuintes podem ter uma economia de 34% no valor de tributos a pagar sobre o montante distribuído. Por exemplo, se a empresa distribui R$ 1.000 como JCP, sua carga tributária sobre o lucro pode ficar até R$ 340 menor no período de distribuição, mesmo tendo ônus fiscal do recolhimento de 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), que, por sua vez, reduziria a economia fiscal em 19%, em nosso exemplo para R$ 190 (R$ 340 – R$ 150 = R$ 190).
Segundo Grigoleto, há um limite a ser distribuído de JCP, que é calculado a partir da aplicação da TJLP sobre o patrimônio líquido no início do ano. Exemplificando com uma Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) anual de 7%, aplicada sobre o patrimônio líquido da empresa de R$ 1.000.000,00, ela poderia distribuir R$ 70.000,00 na forma de JCP nesse exercício (observando para fins de dedutibilidade o limite de 50% do lucro líquido do exercício antes da dedução dos juros), e/ou 50% do somatório dos lucros acumulados e reservas de lucros. Sobre os R$ 70.000,00, a empresa teria uma economia fiscal de 34%, que, com recolhimento de 15% do IRRFonte, reduziria essa economia para 19%.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil