Uma das mais expressivas lideranças religiosas de matriz africana no Brasil, de reconhecida relevância pública, cuja trajetória deixou contribuição significativa para a história de Salvador, Mãe Carmen de Oxaguian, ialorixá do Terreiro do Gantois, que faleceu aos 98 anos de idade, no dia 26 de dezembro, deverá ser homenageada por iniciativa da vereadora Aladilce Souza (PCdoB), líder da bancada da oposição na Câmara Municipal. Filha de Mãe Menininha do Gantois, a sacerdotisa poderá ter seu nome em um equipamento público de relevância religiosa e cultural, com prévia escuta da comunidade religiosa do Terreiro do Gantois e de representantes do povo de axé.
No Projeto de Indicação Aladilce considera que “o Município possui relevante patrimônio histórico, cultural e religioso de matriz africana, cuja preservação e valorização constituem dever do Poder Público, nos termos da Constituição Federal e da legislação de proteção ao patrimônio cultural”. Destaca, também, a importância das lideranças religiosas de matriz africana para a formação social, cultural e identitária de Salvador, “bem como seu papel histórico na resistência ao racismo, na promoção da liberdade religiosa e na defesa dos direitos humanos”.
Escola
A denominação de equipamentos públicos, especialmente escolas municipais, segundo Aladilce, constitui forma legítima de homenagem institucional, preservação da memória coletiva e reconhecimento de personalidades que contribuíram para o interesse público. “Homenagens envolvendo referências religiosas exigem tratamento institucional cuidadoso, respeitoso e participativo, de modo a assegurar o diálogo com as comunidades diretamente relacionadas à memória e ao legado da pessoa homenageada”, argumenta a vereadora, justificando que a escuta prévia da comunidade é necessária para garantir legitimidade, respeito cultural e adequação simbólica da honraria.
Além do Projeto de Indicação a vereadora apresentou Moção de Pesar pelo falecimento de Mãe Carmen de Oxaguian, destacando a contribuição relevante e duradoura da ialorixá para a história religiosa, cultural e social da capital baiana. “Mãe Carmen construiu sua trajetória no comando de uma das casas de candomblé mais antigas e reconhecidas do país. À frente do Gantois, assegurou a continuidade de uma tradição centenária, mantendo vivas práticas religiosas, valores comunitários e referências culturais que integram a identidade de Salvador”, registrou.
Resistência ao racismo
Segundo Aladilce, desde cedo a atuação de Mãe Carmen ultrapassou os limites do espaço religioso: “O terreiro, sob sua liderança, consolidou-se como local de acolhimento, formação comunitária e diálogo com a sociedade, em especial diante das persistentes manifestações de intolerância e racismo religioso enfrentadas pelas religiões de matriz africana. Nesse sentido, sua atuação ganhou reconhecimento institucional. Mãe Carmen foi referência nacional na defesa da liberdade religiosa e no enfrentamento ao racismo religioso, contribuindo para a afirmação das religiões de matriz africana como expressões legítimas de fé, cultura e cidadania, em consonância com os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito”.
Em Salvador, a presença da ialorixá, segundo Aladilce, teve impacto direto no debate público sobre diversidade religiosa, patrimônio cultural imaterial e direitos humanos. “O Terreiro do Gantois tornou-se, sob sua condução, um espaço de resistência histórica e de afirmação política do direito à crença, ao respeito e à dignidade do povo de axé. Mãe Carmen manteve atuação firme e coerente ao longo de sua vida, dialogando com instituições públicas e movimentos sociais, sempre a partir da defesa do respeito à diversidade cultural e religiosa como elemento estruturante da democracia brasileira”.
Ao aprovar a Moção de Pesar pelo falecimento de Mãe Carmen, a Câmara Municipal “reafirma o compromisso institucional com a liberdade religiosa, o combate ao racismo e a valorização da cultura de matriz africana”.
Foto: Victor Queirós/Divulgação
