Thiago Bertacchini, Head de Vendas da Nethone
A fraude digital deixou de ser um evento ocasional — ela se tornou parte da rotina diária do e-commerce. Dados da Nethone mostram que as tentativas suspeitas de fraude permaneceram acima de 400 milhões em janeiro e fevereiro, indicando que fraudadores continuam a mirar usuários mesmo quando o volume de devoluções, reembolsos e reclamações está no auge — tornando a detecção ainda mais desafiadora.
O foco principal dessas ações é o comércio digital de alto valor, como e-commerces que vendem produtos de alto preço e empresas do setor de passagens aéreas. Esses negócios, por serem mais atraentes para criminosos, são forçados a inovar mais rápido que os demais, transformando-se em laboratórios para as tecnologias mais recentes de detecção de fraudes.
O que torna uma transação de alto risco (o chamado “high-risk business”) é a associação com operações de alto valor, liquidez imediata ou grande volume. Estamos falando de:
Plataformas de e-commerce para itens caros, como eletrônicos, e marketplaces de marcas premium, que lidam com produtos facilmente revendidos no mercado informal;
Jogos e apostas online, que permitem movimentação e multiplicação rápida de recursos;
Turismo e passagens aéreas, com valores médios de transação elevados e potencial imediato de revenda;
Criptomoedas e ativos digitais, que possibilitam transações marcadas por anonimato, liquidez e ausência de fronteiras;
Serviços de fintechs, nos quais abertura de contas e interações com clientes são vulneráveis a engenharia social e golpes de account takeover.
Empresas com esse perfil enfrentam ameaças sofisticadas diariamente, o que as obriga a elevar seus padrões de segurança e inovar continuamente. As que estão fora desse grupo devem prestar bastante atenção, porque os riscos enfrentados por esses negócios hoje tendem a se espalhar por todo o mercado em pouco tempo.
Os problemas das abordagens tradicionais de prevenção
A resposta clássica à fraude é o bloqueio com base em dados cadastrais e histórico de transações. Trata-se de um modelo estático, com limitações claras, como o bloqueio excessivo, que aumenta o número de falsos positivos e leva à perda de clientes legítimos. Além disso, o modelo tradicional não acompanha o dinamismo dos ataques, e fraudadores sofisticados já sabem manipular dados estáticos, como números de documentos, endereços e cartões clonados.
No fim das contas, bloquear demais custa vendas; bloquear de menos gera perdas financeiras. É por isso que é tão importante incluir outros elementos na equação, como a análise comportamental. Esse já é um aprendizado dos setores de alto risco, que não limitam mais suas avaliações ao que o usuário informa, mas também analisam como ele se comporta online.
Algumas métricas comportamentais que vêm sendo aplicadas com sucesso incluem:
Velocidade e padrão de digitação;
Geolocalização e discrepâncias com o endereço de cobrança;
Uso de VPNs ou emuladores de dispositivos;
Fluxo de navegação (tempo nas páginas, tentativas repetidas, caminhos de cliques).
Fraudadores podem obter dados cadastrais, mas é muito mais difícil replicar de forma consistente um padrão comportamental legítimo.
Inteligência Artificial na linha de frente
A principal lição que o comércio digital de alto valor pode ensinar sobre prevenção a fraudes é que ela nunca é estática: trata-se de um processo contínuo, que exige atualizações constantes em resposta às técnicas criminosas em evolução.
Todo e-commerce, mesmo os considerados de menor risco, deveria se inspirar nesse ecossistema dinâmico e adotar uma postura proativa, já que reputação, fluxo de caixa e relacionamento com clientes dependem da capacidade de detectar e bloquear ameaças.
O uso massivo de tecnologias como Inteligência Artificial (IA) possibilita a detecção de anomalias em tempo real, algo essencial em setores onde as decisões precisam ser tomadas instantaneamente. Além disso, esses sistemas têm capacidade de aprendizado contínuo — os modelos se aprimoram à medida que identificam novos vetores de ataque, proporcionando respostas mais rápidas e eficazes a comportamentos emergentes.
A IA ainda não substituiu completamente a análise humana, mas potencializa as equipes antifraude ao automatizar volumes massivos de tentativas, criando uma combinação que torna as defesas muito mais robustas.
O que todos os setores precisam entender (e rápido)
Os investimentos e estratégias de segurança dos setores de alto risco devem ser tratados como referência para todo o mercado. Afinal, a evolução tecnológica acontece dos dois lados — defensores e fraudadores — e o que está sendo testado hoje em setores altamente visados pode se espalhar para outros muito em breve.
Como mostram os dados, a fraude está cada vez mais dinâmica, não mais restrita a datas-chave do calendário comercial, e é um erro tratá-la como um “problema da equipe de TI”.
Na prática, isso significa que reforçar defesas apenas em novembro, antes da Black Friday, não é suficiente. Mesmo para setores de risco moderado, o caminho é priorizar o investimento em tecnologia comportamental e IA.
Aqueles que acompanham de perto como os setores de alto risco lidam com a fraude estão mais preparados para os desafios que já batem à porta do mercado como um todo — porque prevenção a fraudes é uma estratégia de negócios, não apenas uma medida de defesa.
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