PIX, Brics e o neomercantilismo de Trump

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Roberta Muramatsu, professora de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

A notícia recente sobre a investigação do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) acerca das práticas comerciais que o país considera desleais em relação ao Brasil, incluindo o Pix, joga luz à racionalidade econômica do neomercantilismo de Trump.

Essa perspectiva se ancora na visão, bastante discutível, de que impor tarifas é a melhor forma de gerar prosperidade econômica. No entanto, sabemos que a verdadeira riqueza de uma nação se constrói sobre uma base institucional que promova liberdade econômica e política, com garantias de direitos de propriedade sob o Estado de Direito. Só assim consumidores, poupadores, investidores e empreendedores poderão descobrir oportunidades e fazer trocas mutuamente benéficas em um ambiente marcado por previsibilidade e confiança.

Trump, ao que tudo indica, faz uso do que os economistas que estudam a Teoria da Escolha Pública (a abordagem econômica da política sem romance) chamam de ignorância racional dos eleitores, que, na verdade, é a dificuldade do cidadão comum em se informar sobre políticas. Com isso, o presidente sustenta sua ameaça de tarifas como mecanismo para pressionar nações a atenderem suas exigências. Ele acredita que o comércio com o Brasil tem prejudicado os EUA, ignorando ou omitindo evidências empíricas de que os Estados Unidos têm, na verdade, uma posição superavitária junto ao Brasil.

A visão parece apoiar-se na ideia de que no comércio internacional há sempre um perdedor e um ganhador, sendo, portanto, defensáveis e desejáveis as medidas para proteger seu país de parceiros que poderiam “ameaçar” seu protagonismo na ordem mundial.

Em outras palavras, Trump subestima ou ignora as consequências perversas do protecionismo e do nacionalismo para a alocação eficiente dos recursos e a geração de riqueza em seu próprio país. O perigo é que suas investidas populistas podem abrir espaço para a perda de confiança nas instituições norte-americanas, com efeitos nada desprezíveis para o aumento dos riscos de empobrecimento de seu país.

A ameaça de um tarifaço de 50% a partir de agosto, baseada em uma suposta empatia e simpatia à família Bolsonaro, não vai “colar nos corações e mentes” de trabalhadores, inovadores e empresas estadunidenses. Muitos deles serão diretamente prejudicados pelos preços mais caros de bens como café, carnes e aço.

Talvez, a investigação do USTR sobre as práticas comerciais desleais do Brasil seja uma resposta que tenha mais apelo entre a população, especialmente entre seus apoiadores e as Big Techs. Essas empresas concordam com o uso de ameaças tarifárias como mecanismos de pressão para que nações promovam mudanças institucionais ou estratégias de política interna e/ou externa para satisfazer seus interesses econômicos.

Em outubro de 2024, a Associação da Indústria de Computadores e Comunicações (CCIA) entregou um relatório para o Departamento de Estado com reclamações sobre países (Brasil, inclusive) que estariam promovendo barreiras para as empresas de tecnologia dos Estados Unidos. Após o anúncio da investigação sobre as pretensas práticas desleais que incluem o PIX, o CEO da CCIA, Mathew Schruers, afirmou que a iniciativa da administração Trump de investigar as barreiras que o Brasil tem colocado às exportações da indústria digital norte-americana e seu tratamento discriminatório tem gerado prejuízos ao setor e impede um comércio justo e aberto entre as duas nações.

A inclusão do Pix pode ser mais um caso de cortina de fumaça para sensibilizar a opinião pública e extrair informações sobre as reações dos atores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Lançado em novembro de 2020, o sistema de pagamentos, operado pelo Banco Central do Brasil (BC), teve adesão rápida e tem reduzido os custos de transação. Entretanto, o sistema de pagamentos e transferência de valores FED Now, criado pela autoridade monetária dos Estados Unidos, não teve grande adesão.

De acordo com o BC, o crescimento dos valores transferidos via Pix foi da ordem de 54,6% no ano de 2024. Atualmente, há mais de 175 milhões de usuários do sistema brasileiro, e isso tem despertado a curiosidade de vários países.

Como toda inovação institucional que promove mais competição no mercado de pagamentos, o PIX pode, por um lado, ter reduzido de alguma maneira a competitividade de administradoras de cartão de crédito. Por outro, porém, incentiva essas empresas a inovarem seus modelos de negócio. Nesse sentido, o Pix não parece ser uma ameaça.

Houve um ponto de tensão entre os interesses norte-americanos no mercado de pagamento instantâneo e o governo brasileiro, quando, em julho de 2020, o BC e o CADE suspenderam a função de pagamentos via WhatsApp, que exigia que usuários fizessem cadastro com cartões das bandeiras Mastercard e Visa.

As autoridades brasileiras alegaram que precisavam avaliar se existiam riscos de ameaça à concorrência e de problemas para o bom funcionamento do sistema de pagamentos no Brasil. Porém, o uso do WhatsApp para pagamentos foi liberado, mas isso ocorreu depois do lançamento do PIX. Isso pode inspirar a alegação de que o Brasil criou barreira para favorecer o sistema de pagamentos que o setor público lançou no fim do mesmo ano.

O Brasil não proibiu a operação de empresas norte-americanas no mercado de pagamentos, mas estabeleceu condições para que as empresas pudessem operar no país, o que se justifica dada a liberdade de cada nação em estabelecer seus próprios arranjos institucionais.

Ainda assim, o discurso populista de Trump pode sugerir que o entrave para o avanço do comércio digital no segmento de pagamentos instantâneos e transferência de recursos é inquestionável, já que o Banco Central do Brasil exerce tanto a função de regulador do mercado de pagamentos quanto a de operador do PIX. Porém, não há qualquer ameaça para o mecanismo de pagamento brasileiro.

Talvez, o que realmente importa para Trump sejam propostas de Pix internacional, que prometem ganhar mais adeptos dentro e fora do Brasil, especialmente quando percebemos as movimentações dos BRICS, cada vez mais alinhadas aos interesses da China.

Como sabemos, os interesses de política externa dos Estados Unidos não convergem com tais investidas. Isso explica em parte as trocas de provocações entre os presidentes dos Estados Unidos e Brasil após Trump declarar que ia aumentar tarifas de países que se alinhassem às “políticas anti-americanas” dos BRICS.

O fato, até o momento, é que a ameaça tarifária, aparentemente, ajudou a melhorar a popularidade de Lula. Agora, só podemos torcer para que a marcha da insensatez de lideranças populistas possa ser neutralizada por negociações baseadas nos princípios de pragmatismo e racionalidade.

Foto TBIT/Pixabay

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